O objetivo da educação é a virtude e o desejo de converter-se num bom cidadão.
(Platão)

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Contribuições de Ferreiro e Teberosky no Processo de Alfabetização

Essa seção tem o objetivo de apresentar as contribuições das duas autoras com foco na Psicogênese da língua escrita e como elas trabalharam juntas nesse estudo, optamos por apresentar ambas na mesma seção.
Emília Ferreiro nasceu em 1936 na Argentina, psicolinguista doutorou-se pela Universidade de Genebra, sob orientação de Jean Piaget, de quem se tornou colaboradora, aprofundando seus estudos no campo da escrita. Iniciou sua pesquisa na Argentina em parceria com Ana Teberosky, publicando os resultados da obra em 1979, que no Brasil recebeu o título de Psicogênese da Língua Escrita, e causando grande influência na maneira de enxergar a criança no processo de aquisição da leitura e da escrita.
Ana Teberosky nasceu em Buenos Aires no ano de 1944. Pedagoga e doutora em psicologia ao lado de Emília Ferreiro investigou o processo de aquisição da escrita pela criança, desenvolveu suas pesquisas na área da linguagem e foi responsável pela transposição didática da teoria psicogenética da escrita.
Uma das grandes contribuições das autoras está pautada na aprendizagem da leitura e escrita não deveria se reduzir somente a um conjunto de técnicas percepto-motoras nem à vontade ou à motivação, crenças que até então norteavam a educação; mas, sim, que deveria se tratar de uma aquisição conceitual. Essas investigações abriram um mundo para o pensamento infantil cuja existência era desconhecida. E durante uma entrevista à Revista Nova Escola, Ferreiro (2006) afirma que estar alfabetizado hoje:

É poder transitar com eficiência e sem temor numa intrincada trama de práticas sociais ligadas à escrita. Ou seja, trata-se de produzir textos nos suportes que a cultura define como adequados para as diferentes práticas, interpretar textos de variados graus de dificuldade em virtude de propósitos igualmente variados, buscar e obter diversos tipos de dados em papel ou tela e também, não se pode esquecer, apreciar a beleza e a inteligência de um certo modo de composição, de um certo ordenamento peculiar das palavras que encerra a beleza da obra literária. Se algo parecido com isso é estar alfabetizado hoje em dia, fica claro por que tem sido tão difícil. Não é uma tarefa para se cumprir em um ano, mas ao longo da escolaridade. Quanto mais cedo começar, melhor.

Ferreiro e Teberosky pertencem à escola de Jean Piaget, que contribuiu e revolucionou a maneira de considerar a aquisição do conhecimento pelo sujeito. As autoras introduziram o essencial de sua teoria e de seu método científico a fim de explicar o processo de aquisição da língua escrita e verificar de que maneira a criança aprende a ler e escrever. A concepção teórica piagetiana de uma aquisição de conhecimentos baseada na atividade do sujeito em interação com o objeto do conhecimento surge como ponto de partida para qualquer estudo da criança confrontada com esse objeto cultural que constitui a escrita, sendo que, para Piaget (1975, p. 7):


O conhecimento não procede nem da experiência única dos objetos nem de uma programação inata pré-formada no sujeito, mas de uma interação entre ambos, que resulta em construções sucessivas com elaborações constantes de estruturas novas graças a um processo de equilibrações majorantes, que corrigem e completam as formas precedentes de equilíbrio.
Dessa forma, as autoras mostraram em relação à escrita, que as crianças tem ideias, teorias, hipóteses que continuamente colocam à prova frente à realidade, e que confrontam com as ideias do outro.
Ferreiro e Teberosky (1991) constataram que os métodos utilizados para alfabetização consideravam apenas o ensino como uma técnica para ensinar a ler e a escrever, já que a escrita era concebida como um código de transcrição gráfica das unidades sonoras e, portanto, a leitura como uma aquisição técnica. Nesta perspectiva, os sucessos na aprendizagem eram atribuídos ao método ou a quem o transmitisse e não ao sujeito da aprendizagem; a estes era atribuída à responsabilidade pelo fracasso.
Dessa forma, apresentam a importância de conhecer a criança e o que ela pensa sobre o objeto a ser aprendido. Isso potencializa a práxis do educador e ao contrário do que ocorria quando se pensava que a criança não tinha conhecimento algum sobre o objeto escrita, agora com o conhecimento de um sujeito, que interage com a língua escrita e tenta desvendá-la é possível aproximar-se de uma alfabetização que valorize a criança e suas construções. No entanto, ela não alcança isso sozinha, precisa e muito da mediação do professor, talvez tenha sido esse o grande erro de muitos professores ao interpretarem a concepção construtivista, simplificando-a no deixar o aluno construir no seu tempo, sem intervenções.
A pesquisa alerta para a importância do professor, principalmente o das séries iniciais, ter maior conhecimento da psicogênese da língua escrita para entender a forma e o processo pelos quais a criança aprende a ler e a escrever e também para poder detectar e entender os erros construtivos característicos das fases em que se encontra a criança e para saber desafiar seus alunos, levando-os ao conflito cognitivo, isto é, desafiando a criança a modificar seus esquemas assimiladores frente a um objeto de conhecimento não-assimilável.
Ferreiro (1985 apud LEAL, 2006, p.78-79) verificou que para chegar à compreensão da correspondência entre as letras (unidades gráficas mínimas) e os fonemas (unidades sonoras mínimas) é preciso realizar uma operação cognitiva complexa. Nas escritas alfabéticas, isso envolve entender: o que a escrita representa, isto é, que as letras representam os sons e não os significados ou outras características físicas das coisas às quais aquelas palavras orais se referem; e como a escrita cria essas representações, isto é, descobrir que a escrita funciona “traduzindo”, por meio das letras, segmentos sonoros pequenos, os fonemas, que estão no interior das sílabas.
Vale lembrar que a concepção construtivista aborda a construção do conhecimento como uma tríade entre: o aluno, o professor e os conteúdos e que para aprendizagem são necessários fatores como a maturação, que se refere ao crescimento interno do organismo e abre possibilidades biológicas à inteligência; a experiência física e motora que requer a ação do sujeito sobre o objeto a ser descoberto, permitindo novas estruturações cognitivas, não implicando a ampliação do conhecimento do ambiente externo; a interação social no sentido de ampliação das interações, pois o sujeito é sempre considerado como ativo nessas relações; e a equilibração responsável pela auto-regulação das relações estabelecidas entre os outros fatores. As regulações permitem a melhor adaptação do sujeito ao mundo, ampliando suas estruturas cognitivas, assim como os sistemas de significação dos objetos.
Durante a pesquisa, a fim de descobrir como a criança consegue interpretar e produzir escritas muito antes de chegar a escrever ou ler convencionalmente, criaram situações experimentais e utilizaram o método clínico ou de exploração crítica. Nesse momento perceberam que ao solicitar que as crianças escrevessem, elas cometiam erros sistemáticos, regulares e recorrentes, descobrindo que a criança busca a aprendizagem na medida em que constrói o raciocino lógico. Assim, o processo evolutivo de aprender a ler e escrever passa por níveis de conceitualização, o que elas denominaram de hipóteses de escrita da criança (DI SANTO, 1985).
Essas hipóteses foram definidas da seguinte forma: Nível 1: Hipótese pré-silábica; Nível 2: Intermediário I; Nível 3: Hipótese Silábica; Nível 4: Hipótese Silábico-Alfabética ou Intermediária II; e Nível 5: Hipótese Alfabética.
As autoras apresentam que, em cada nível, a criança elabora alguma hipótese a respeito dos processos de construção da leitura e escrita. Sendo assim, ela só passará de um nível para outro quando estiver frente a situações que seu nível não puder explicar, elaborará, então, novas hipóteses e novas questões e assim por diante, indicando assim, que o processo de assimilação de conceitos é gradativo.
Perceberam também que todas as crianças seguem os mesmo passos do homem quando “descobriu” a escrita, passando assim, pela Escrita Pictográfica (desenhar os objetos para representar palavras); Escrita Ideográfica (uso de um sinal para representar uma palavra ou conceito); Escrita Logográfica (usa desenhos referentes ao nome dos objetos (som) e não ao objeto em si), até chegar à Alfabética (FERREIRO e TEBEROSKY, 1991).
Contudo, a caracterização de cada nível não é estanque, podendo a criança mesclar conceitos de um nível com o anterior, tal como apresentar o que pode parecer uma regressão, ou seja, demonstrar que sua hipótese ainda não está adequada aos seus conceitos.
A fim de apresentar de forma clara e sintética as características de cada hipótese sugerida pela pesquisa de Ferreiro e Teberosky. Segue a Figura 2, desenvolvida pela equipe pedagógica da Escola Municipal Professora Maria Alice Pasquarelli, em São Jose dos Campos (SP), que nos foi disponibilizado durante um encontro de formação de alunos-pesquisadores, do Programa Ler e Escrever da Prefeitura do Município de São Paulo.
O momento de avaliação dessas características é o que se convencionou chamar de sondagem, procedimento utilizado a fim de verificar as hipóteses de escrita da criança.
O procedimento da sondagem deve ocorrer da seguinte forma: um ditado individual de quatro palavras (uma polissílaba, uma trissílaba, uma dissílaba e uma monossílaba – nessa ordem) e uma frase, para detectar o nível de conceitualização da criança. Ao fim de cada palavra ou frase escrita o professor precisa pedir que a criança leia o que escreveu a fim de entender como ela lê.


CARACTERIZAÇÃO DAS HIPÓTESES DE ESCRITA EXEMPLOS:

PRÉ SILÁBICA:
Grafismo primitivo: Predomínio de rabiscos e pseudo-letras. A utilização de grafias convencionais é um intento para a criança. Desenvolvem procedimentos para diferenciar escritas.
Escrita sem controle de quantidade: A criança escreve ocupando toda a largura da folha ou do espaço destinado a escrita.
Escrita Unigráfica: A criança utiliza somente uma letra para representar a palavra.
Escrita Fixa: A mesma série de letras numa mesma ordem serve para diferenciar nomes. Predomínio de grafias convencionais.
Quantidade variável - Repertório Fixo/Parcial: Algumas letras aparecem na mesma ordem e lugar, outras letras de forma diferente. Varia a quantidade de letras para cada palavra. Quantidade constante - Repertório variável: Quantidade constante para todas as escritas. Porém, usa-se o recurso da diferenciação qualitativa: as letras mudam ou muda a ordem das letras.
Quantidade variável - Repertório variado: Expressam máxima diferenciação controlada para diferenciar uma escrita de outra.

SILÁBICA SEM VALOR SONORO:
A criança escreve uma letra para representar a sílaba sem se preocupar com o valor sonoro correspondente
Iniciando uma correspondência sonora: a criança escreve uma letra para cada sílaba e começa a utilizar letras que correspondem ao som da sílaba.
SILÁBICA COM VALOR SONORO: a criança escreve uma letra para cada sílaba, utilizando letras que correspondem ao som da sílaba; às vezes usa só vogais e outras vezes consoantes e vogais.
Silábico em conflito ou hipótese falsa necessária: Momento de conflito cognitivo relacionado à quantidade mínima de letras (BIS/ISIS) e a contradição entre a interpretação silábica e as escritas alfabéticas que têm sempre mais letras. Acrescenta letras e dá a impressão que regrediu para o pré- silábico.

SILÁBICA ALFABÉTICA
A criança, ora escreve uma letra para representar a sílaba, ora escreve a sílaba completa. Dificuldade é mais visível nas sílabas complexas.

ALFABÉTICA A criança já compreende o sistema de escrita faltando apenas apropriar-se das convenções ortográficas; principalmente nas sílabas complexas.
Ortográfica: a criança já escreve convencionalmente preocupando-se com a norma ortográfica.
Fonte: Evolução da hipótese de escrita dos alunos. Fonte: equipe pedagógica da Escola Municipal Professora Maria Alice Pasquarelli, em São José dos Campos (SP).

O que se acredita hoje, depois das contribuições de Ferreiro e Teberosky, é em uma criança que procura ativamente compreender a natureza da linguagem que se fala à sua volta, e que formula hipóteses, busca regularidades, coloca à prova suas antecipações, cria e reconstrói por si mesma a linguagem.
Destacamos o mais relevantes da pesquisa das autoras é o olhar para a criança como sujeito do processo, como um ser cognoscente e precisamos entender que seus estudos não criaram um método de ensino, mas nos ilumina na adequação e construção dos processos de aprendizagem a fim de viabilizar a alfabetização.
Para Ferreiro (2001 apud COLELLO, 2009), “A escrita é importante na escola, porque é importante fora dela e não o contrário”.

REFERÊNCIAS:


COLELLO, Silva M. Gasparian. Alfabetização em questão. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2004. ed.2.

______. Alfabetização e Letramento: Repensando o Ensino da Língua Escrita. Disponível em: http://www.hottopos.com/videtur29/silvia.htm. Acesso em: 10 out 2009.

______. Repensando as Dinâmicas Pedagógicas nas Classes de Alfabetização. Videtur 30. Disponível em: http://www.hottopos.com. Acesso em: 12 out 2009.

DI SANTO, Joana Maria Rodrigues. Emília Ferreiro & Ana Teberosky. Trad. Diana M. Lichtenstein, Liana Di Marco e Mário Corso. Porto Alegre: Editora Artes Médicas. 1985. Disponível em: http://www.centrorefeducacional.com.br/psicogen.htm. Acesso em: 13 set 2009.

FERREIRO, Emília; TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da língua escrita. Lichtenstein, Diana Myriam (trad.); Marco, Liana Di (trad.); Corso, Mário (trad.). 4.ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1991.

______. O momento atual é interessante porque põe a escola em crise. Nova Escola, São Paulo, SP: Editora Abril, out 2006. ed. 197. Disponível em: http://revistaescola.abril.com.br/lingua-portuguesa/alfabetizacao-inicial/momento-atual-423395.shtml. Acesso em: 20 set 2009.

LEAL, Telma Ferraz, CORREIA, Eliana Borges e MORAIS, Artur Gomes.
Letramento e alfabetização: pensando a prática pedagógica. In: Ensino fundamental de nove anos: orientações para a inclusão da criança de seis anos de idade. Brasília: FNDE, Estação Gráfica, 2006.

PIAGET, Jean. A Equilibração das Estruturas Cognitivas. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.

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